Eu não quero ser gay

quinta-feira, 16 de abril de 2015



Durante anos a fio, este foi o meu mantra.
Vivo num meio relativamente pequeno.
Uma aldeia promovida a cidade, que de cidade só tem o título e o fluxo turístico.

Quando comecei a aperceber-me do que era, pensei que fosse uma fase.
Afinal, quando somos novos, sabemos lá o que queremos, não é verdade?
O background religioso da minha família ajudou a incitar o medo.
Afinal é completamente contra tudo o que é livro religioso.
Era certamente uma fase.
Cheguei a rezar para que o fosse.
Uma fase bastante longa.
Qualquer dia acordava e passava a olhar para mamas com aquele olhar devasso muito típico dos putos de 15 anos cheios de borbulhas e hormonas.
Mas o tempo foi passando... e a fase não.

Eu não quero ser gay

Meti-me no desporto - mesmo sendo a criatura mais preguiçosa do planeta - talvez precisasse de um banho de testosterona, porque como bom cliché gay que sou, 99% das minhas amizades tinham vagina.
Acabei por desistir do basquetebol quando vi que era pior a emenda que o soneto, porque  claro que me saiu o tiro pela culatra, e acabei dois anos a jogar basquetebol com 20 rapazitos da minha idade, e a evitar de morte os balneários, porque aquele cheiro a homem suado dava cabo da minha "fase".

Eu não quero ser gay
Não podia ser gay.
Afinal, não era como os gays da TV [que eram literalmente a única referência que eu tinha na altura, para além do puto na minha escola que era drag queen e agora anos mais tarde mudou de sexo] e não conhecia nenhum outro gay.
Ao contrário da capital, onde em baixo de cada pedra de calçada há 50 gays a abrirem um bar com gogoboys e white parties temáticas, por aqui ainda hoje em dia continua a ser visto como uma coisa extremamente aberrante, motivo de silêncios demorados e olhares reprovadores.
Passei todo o secundário num armário de vidro, onde toda a gente via a imensidão da minha homossexualidade, menos eu, com a cabeça enterrada na areia, cheio de medo de ser ainda mais mal tratado, por uma coisa que não tinha escolhido.
Sentia-me uma fachada mal conseguida, através da qual todos conseguiam ver.

Eu não quero ser gay
Os gays não casam não têm filhos, e trocam de namorado por um modelo mais novo quando as rugas assentam e a diversão acaba. E não queria andar nessa vida infeliz e encalhado e a saltar de cama em cama por não arranjar ninguém - o karma é fodido, I know - porque era a única noção que tinha.

Foi preciso entrar para a faculdade para conhecer pela primeira vez um gay em carne e osso (relativamente mais fora do armário que eu, mas ainda assim muito secretivo sobre as coisas.)
E não era nada de especial, bastante decepcionante até.
Não me pareceu extremamente infeliz e miserável, não era excessivamente exagerado nos maneirismos, nem passava a vida nas orgias.
Um a um, os meus preconceitos foram desabando.
Os medos esses, continuavam todos lá, de pedra e cal.
Até hoje não percebo muito bem do que tinha tanto medo.
Mas tinha.
Acho que no fundo não queria desiludir ninguém.
Afinal, sou o filho único a acabar com o legado da família- porque cu não faz filho ainda né non - e todo o drama associado a ele.

E um dia, tudo se descomplicou.
Parece que se desfez um nó na minha cabeça.
Tudo deixou de importar, uma epifania que fez ruir as paredes que andei a erguer anos e anos
E foi como se saísse pela primeira vez de debaixo de alguns escombros esquecidos num tsunami que arrasou a minha costa mental e conseguisse respirar.

Nos dias particularmente difíceis, depois da 2154516512ª tampa do semestre - sinto-me a taylor swift dos gays às vezes - , lembro-me disto, e mesmo que as coisas não corram sempre como eu quero, consigo dizer que  partir do segundo em que te aceitas, tudo melhora.

só para variar um bocadinho, e porque hoje estou lamechas. o blog é meu.

6 comentários:

  1. Nem sempre é mau estarmos lamechas, ao menos escreves textos muito engraçados e muito elucidativos :-p e ninguém quer ser o que é tema de conversa de outros mas a partir do momento em que sabemos quem somos, os temas de conversa deixam de ter essa importância, até diria que um novo mundo nasce para quem sabe o pode esperar de si.

    Falavas de rezas, pois bem, no Domingo ajoelha-te e reza pela minha alma (s.f.f), vou pecar e irei parar ao inferno lol. Irei escrever o meu post 666.

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  2. Revejo-me muito no teu post. Apenas quando entrei na faculdade me consegui aceitar como era, e ser feliz.
    Mas tenho a dizer que o meu primeiro "meeting" não me ajudou muito. O tipo tinha muitos maneirismos e... era o ex de uma amiga... LOL

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  3. Esse seu dilema, parece ser o dilema de 90% daqueles que nascem gay's. E muitos, infelizmente, ainda não tiveram essa epifania que você teve. Você é um felizardo. Se aceitou numa boa e vive bem.
    Quando eu me for(para o céu ou não), e com certeza terei de voltar para reparar os erros dessa e de outras vidas, conversarei com o "papai do céu". Quero ser gay, homem gay, porque uma coisa não nego..... adoro homens!!!! rsrrs

    abraços

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  4. O que eu me escangalhei a rir com a cena do "cheiro a homem nos balneários".
    Também nunca me senti à vontade nos balneários mas ao contrário de ti não sabia que era gay. Acho que nem sabia que essa hipótese existia.
    Também viviam numa vila promovida a cidade, na década de 80, geograficamente longe dos locais gay e temporalmente longe dos benefícios da internet. Simplesmente não me sentia atraído por meninas e gostava de ler a La Redoute na parte de roupa interior masculina, LOL. Vim depois a perceber porquê!
    Foi também na faculdade que desabrochei (sem piadas, tá?).

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  5. O blogue também podia ser meo. Mas para isso tinham que te pagar a publicidade e a PT está como está.

    Essas fases, mais ou menos intensas, todos nós passamos. E muito de nós querem ser heteros, porque acaba por ser mais "fácil" a inserção na sociedade e não porque efectivamente não se sentem atraídos pelo corpo masculino.

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(sou ótimo a motivar as pessoas hein?)